Nem toda doença tem causa psicológica.
Que o corpo e a mente estão interligados, um influenciando o outro, não há dúvida. Mas é preciso cuidado com o exagero de eleger a emoção como a causadora de todas as moléstias. A conclusão apressada atrapalha o diagnóstico correto, deixa males sem tratamento e ainda faz o paciente estressado ou ansioso se sentir culpado por adoecer

Assim, não se trata de negar a influência do psiquismo nos processos orgânicos. Nem de voltar à época em que o filósofo francês René Descartes (1596-1650) cravou a separação entre corpo e mente. Sabe-se hoje que ambos interagem por meio de uma intricada rede de hormônios, proteínas e neurotransmissores mediada pelo cérebro. Mas é preciso ver o peso de cada um. A pesquisa sobre o câncer alerta para o perigo de ceder ao raciocínio simplista de que toda doença tem origem emocional. “Travestida de interpretação psicanalítica, essa filosofia de almanaque nada mais é do que a versão contemporânea da prática secular de atirar no doente a culpa pela doença”, escreveu o oncologista Drauzio Varella. “Na Idade Média, a hanseníase acometia apenas os ímpios que desafiavam a ira do Senhor; no século passado, morriam de tuberculose as moçoilas desiludidas e os rapazes devassos; e, mais recentemente, adquiriam aids somente os promíscuos.” Para ele, é ridículo esquecer que a hanseníase e a tuberculose são causadas por bactérias desinteressadas no que pensam seus hospedeiros e a aids por um vírus alheio a julgamentos morais.
Transformar as emoções em bode expiatório atrasa o diagnóstico e estende o sofrimento. É corriqueiro tratar arritmia cardíaca como se fosse crise de ansiedade. Sintomas comuns aos dois quadros – falta de ar, palpitações e aperto no peito – favorecem a confusão. Junte-se o fato de que as alterações no batimento cardíaco associadas ao mal-estar nem sempre aparecem no eletrocardiograma ou holter – é necessário um teste em que se avalia a parte elétrica por meio de um cateter introduzido na veia da perna. Levado até o coração, ele identifica o foco do problema (se houver) e o cauteriza. Como o exame é pouco solicitado – por ser invasivo, exigir sedativo, anestesia local em hospital –, o problema persiste. “É mais fácil culpar o doente do que aceitar nossa incapacidade de dar o diagnóstico”, admite Eduardo Saad, coordenador do Setor de Arritmias do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro. “Com isso, o paciente carrega o rótulo de ‘portador da síndrome do pânico’ e são grandes as probabilidades de se considerar a doença refratária, ou seja, com sintomas que não cedem, o que requer doses mais altas de remédios.” E ainda há pacientes que ouvem do médico que lhes falta força de vontade para se curar do mal-estar emocional.
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